quarta-feira, 7 de novembro de 2012

AQUI SOMOS TODOS INOCENTES




Lançado em 1999 e transformado em filme em 2003, Estação Carandiru é um livro de autoria do médico Drauzio Varella, que relata dez anos de atendimento voluntário na Casa de Detenção de São Paulo a partir de 1989, quando ele iniciou um trabalho voluntário de prevenção à AIDS. Disposto a tratar com as pessoas caso a caso, o então jovem doutor Drauzio ouviu o relato de um preso afirmando que estava ali por engano, pois era inocente. Ao comentar o fato com outro médico do lugar, ouviu a seguinte resposta: “Você não sabia? Aqui no Carandiru todos são inocentes”.

Essa cena veio-me à mente quando conversava sobre a culpa e percebi o quanto os espíritas estão desnorteados com o conceito de “pecado”, “carma” e causa e efeito. Onde, na Codificação, Kardec fala sobre carma? Talvez, no mesmo lugar em que se fala sobre “lei de causa e efeito”. Se procurarmos, nas obras básicas, a tal “lei de causa e efeito”, não encontraremos absolutamente nada. Já sobre “carma”, nada encontraremos. São conceitos que não dizem respeito ao espiritismo.

Mas, então, não pagamos os erros do passado com o sofrimento? Não é essa a função do planeta Terra – ser um planeta de provas e expiações?

A dor física, em si, não resulta obrigatoriamente em sofrimento moral. Sofrimentos ligados ao passado estão no campo moral e, não, no campo físico, razão pela qual, mesmo deixando a matéria, é possível sofrer no mundo espiritual. Em O livro dos espíritos, aprendemos que o espírito reencarnante pode sofrer apenas com a iminência dos desafios que enfrentará na sua próxima vida. Ou seja, a dinâmica do espírito não é a do sofrimento redentor (pagar pelo que fez), mas a da superação que redime. Então o espírito sofre moralmente por saber que falhou antes e que pode falhar novamente. A lei de progresso é inexorável.

A imperfeição, esta sim, é a causa dos erros do passado, e deriva de um modo de pensar equivocado, associado a um hábito equivocado. Tais imperfeições fazem com que aquele que age errado encontre justificativas para seus erros, situação que persistirá enquanto o modo de pensar e o hábito persistirem. Logo, essas imperfeições só serão superadas através da educação moral, que se dará no enfrentamento pelo espírito das circunstâncias em que ele errou, seja na posição inversa, seja na mesma posição, só que para não cair em erro novamente. Falhando o espírito, o sofrimento dele estará ligado a essa falha.

E quando, enfim, o espírito consegue se superar, o sofrimento acaba. Daí o valor do arrependimento, que faz com que ele empregue sua força de vontade nessa superação pessoal. Nada disso pressupõe necessidade de culpa, nem ideia de pecado, que pode fazer com que muitos espíritos desistam da melhoria interior, por não enxergar solução, ignorando que, perante a justiça divina, a questão do tempo é muito diferente da nossa e que Deus espera a nossa superação ligada, por sua vez, ao quanto confiamos em nós mesmos.

Outra questão relevante é que, neste mundo, muitas das causas de sofrimento são sociais, e não oriundas da imperfeição. As imposições de certos hábitos sociais acabam por gerar comportamentos equivocados. Uma sociedade egoísta gera indivíduos egoístas. Diante desse fato, observamos que, se uma parte dos espíritos reencarna para lidar com suas imperfeições, outra parte enfrenta as provas da vida, na busca de oportunidades sociais – o chamado sofrimento por condicionamento, quando o indivíduo se condiciona a um status e sofre por sair dele.

O presídio do Carandiru foi desativado e parcialmente demolido em 2002, dando lugar a um parque. Quando desativarmos e demolirmos os equivocados conceitos de pecado, de culpa, de leis e carmas, encontraremos nosso parque, que seria a valorização do indivíduo. Afinal, aqui somos todos inocentes.


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Nota da Redação do jornal Leitura Espírita, quando da publicação deste texto, na edição número 6, de outubro/2012:

A relação entre sofrimento moral e imperfeição fica evidente no trecho abaixo, retirado de O céu e o inferno, referindo-se a um jovem com uma doença incurável.

“Se este moço fora espírita, teria dito: A morte só destruirá o corpo, que deixarei como fato usado, mas o meu Espírito viverá. Serei na vida futura aquilo que eu próprio houver feito de mim nesta vida; do que nela puder adquirir em qualidades morais e intelectuais nada perderei, porque será outro tanto de ganho para o meu adiantamento; toda a imperfeição de que me livrar será um passo a mais para a felicidade. A minha felicidade ou infelicidade depende da utilidade ou inutilidade da presente existência.” 

Um comentário:

Marcelo disse...

Muito interessante a matéria, faz um bom tempo que também partilho do mesmo pensamento, não é pelo sofrimento físico que virá a mudança, e sim pela moral que pertence ao domínio do espírito, da inteligência.