Passos de um gigante
é o 4º romance psicografado por Mônica Cortat pela iniciativa de um grupo de
espíritos que se reúne para contar, cada um, a história de sua última
encarnação.
No primeiro, Cartas a
Júlia, Clara conta a sua história. No segundo, Quando vier o perdão, é a vez de Olavo e, no terceiro, temos a vida
de Cora no livro que levou seu nome, Cora
do meu coração. Agora é a vez de Vicente. Ele não gosta de religião, não
acredita em Deus nem em vida depois da morte. Mesmo depois que sua família
conhece o espiritismo, fundando até mesmo um centro, Vicente se nega a
participar ou acreditar em qualquer coisa além desta vida material. Por conta
dessa descrença, ele acaba impedindo a ajuda que receberia no momento de sua
morte e passa anos vivendo na escuridão até conseguir pedir ajuda e, finalmente,
ser socorrido e levado para uma colônia espiritual.
Percebe-se, portanto, que se Vicente acreditasse no mundo
espiritual, sua passagem para o além teria sido diferente, com menos
sofrimento. Ou não?
O além é sempre o desconhecido. O além religioso foi
variando a tal ponto que passou a ser o céu acima de nós. Na época da Idade
Média o universo era imaginado como uma esfera fora da qual existiam Deus e os
anjos. Ou seja, havia também um local para Deus, após o último dos diversos
‘céus’ do conceito de Aristóteles. O além, assim, é sempre pensado como um
local físico, vivenciado através da presença do corpo.
Nas religiões dogmáticas, após a morte a alma sente (um
sentir interno, de lembranças vividas), mas não se manifesta. Assim, quem
morreu e vai para o céu, fica em estado de beatitude. Quando, então, esta
pessoa irá usufruir da Terra Prometida? Após o Juízo Final, quando recuperar o
corpo para desfrutar de um local físico já que, para se estar num local, o
corpo precisa estar lá.
Na época em que se acreditava que o mundo era apenas o local
que se habitava, o além seriam os lugares desconhecidos deste mesmo mundo. Quando
o mundo se expandiu e se conheceu, o além se manteve no espaço. Mas, com o
avanço das tecnologias, até mesmo o universo deixou de ser o além e passou a ser
algo observável, que pode ser conhecido.
Sobrou, portanto, o além-túmulo. Então o mundo espiritual é
o além? Se na Grécia antiga se achava que a morte era, de fato, o fim, a
tradição cristã criou dois lugares para se passar a eternidade: o céu e o
inferno.
Os túmulos, as velas, as flores e todo o aparato fúnebre
somado à máxima de que, se você não se comportar bem vai para o inferno, faz
com que as pessoas temam a morte. Mesmo quem vence este medo, porém, acaba por
manter um outro: o medo do além-túmulo.
Se os católicos temem o inferno e o demônio, por sua vez os
espíritas enfrentam o Umbral e os obsessores. Acontece porém que, se o inferno
católico apresenta o sofrimento físico, já que, como vimos acima, é preciso
aguardar a ressurreição para sofrer com o corpo, segundo o espiritismo o
sofrimento é moral, não físico, já que o corpo espiritual sofre a influência do
que se pensa e se sente.
Um ambiente ruim no mundo espiritual é consequência
dos pensamentos e dos sentimentos próprios e não exatamente um lugar físico,
determinado para o espírito ficar lá, sofrendo. Desta forma, o Umbral é uma
ilusão que desaparecerá quando do desapego das emoções ruins. Neste momento, o
corpo espiritual vivenciará uma espécie de sublimação, ou seja, se tornará mais
leve.
Aqui, vale verificar a importância da cultura na formação e
na conformação do indivíduo. Os medos estarão ligados às informações recebidas
pela pessoa em sua presente encarnação. Observemos a metáfora proposta por
Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, quando, ao se chegar à porta do inferno
lê-se o seguinte aviso: Deixe aqui todas
as suas esperanças. Assim, o auge do sofrimento moral é a vida sem
esperança, sem poder ‘esperançar’ e é este sofrimento moral que causa o medo.
Segundo consta, Dante escreveu sua obra baseando-se nas
visões que tinha durante seus sonhos. Se, de fato, Dante foi ao plano espiritual
enquanto dormia, levou consigo a cultura de que o inferno era um lugar para
onde vão os pecadores, e, desta forma, é assim que ele vai interpretar o mundo
espiritual. O mesmo aconteceu com André Luiz ao descrever a colônia espiritual
“Nosso Lar” ou o Umbral. Quem imagina, então, que a vida após a morte é
definitiva, acredita que viverá a eternidade neste ou naquele lugar. Mas a
doutrina espírita afirma que o mundo espiritual é transitório.
Em O Céu e o Inferno,
uma das obras básicas da doutrina espírita e – infelizmente – uma das menos
lidas, Kardec faz um verdadeiro trabalho de sociologia ao conversar com
espíritos diversos, em condições relacionadas às escolhas que eles mesmos
fizeram. Por exemplo, quem optou pelo apego às coisas materiais, pelo orgulho,
pela inveja, pelo ciúme, etc., vai vivenciar, após a morte, o apego ao que
deixou na vida física. E isso vai causar o sofrimento. Nesta obra, portanto, o
sofrimento ficará muito claro como algo inerente à imperfeição. Ninguém sofre
em virtudes das coisas que fez no passado nem mesmo um castigo imposto por
Deus. As pessoas sofrem em função das imperfeições que tem. O sofrimento cessa
quando cessa a imperfeição. Assim, precisamos considerar que, em verdade, o
inferno católico ou o umbral espírita nada mais são do que um sofrimento
auto-impositivo, o aprisionamento do ser em si mesmo – o chamado
emsimesmamento.
Depende de nós sair desta “prisão” – e ainda podemos contar
com a ajuda de nosso Espírito protetor. Foi o que aconteceu com André Luiz que,
apesar de viver uma vida descrente do mundo espiritual, recebeu o devido
auxílio quando, enfim, humildemente solicitou socorro e este veio de imediato.
Certamente, é o que também acontecerá com Vicente, pois, segundo a questão 495
de O Livro dos Espíritos, “o Espírito
protetor (aquele, cuja missão é conduzir seu protegido pelo bom caminho) volta
tão logo é chamado”.
O depoimento destes espíritos à Kardec comprova que não
existem lugares fixos, pré-determinados. Quem observa este mundo espiritual são
os espíritos, através dos sentidos deles. Lá eles têm um corpo e uma matéria,
uma natureza e leis próprias. Quando o espiritismo trata do mundo espiritual,
portanto, este também deixa de ser o além e, na visão espírita,o estado de
beatitude aceito pelas religiões dogmáticas não ocorre. Como o espírito não é
aquele corpo morto, então este estado de suspensão é, somente, ideológico.
De posse disto, a preocupação não é para onde vamos e, sim, nossos pensamentos, sentimentos, com quem
estamos sintonizados e, através de tudo isto, que lugar ocupamos neste mundo
espiritual.
Morrer, segundo o espiritismo, é uma continuidade, o que
explica o progresso e justifica o avanço da humanidade, intelectual e moral. Este
é um dos pontos capitais à existência humana. A certeza do que nos aguarda após
a morte é o que nos alimenta a fé e nos dá força para enfrentar as dificuldades
do dia a dia.
*Publicado originalmente na "Revista de Livros" da Editora EME, edição 15
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