terça-feira, 21 de dezembro de 2010
ENTRE GATOS, BRUXAS E ET’S... O NATAL!
John Ford (1894-1973) foi um consagrado cineasta estadunidense do século 20, autor de 56 westerns. Irritado com as críticas do pesquisador cinematográfico John Tuska à inexatidão histórica dos filmes que dirigiu, ele não hesitou em colocar sua resposta na boca de um de seus personagens, o jornalista Maxwell Scott, em O Homem Que Matou o Facínora (1962): “Quando a lenda antecede os fatos, imprima-se a lenda”.
O que Ford proclamou, através de seu personagem, pode ser uma espécie de lema comportamental da raça humana que, volta e meia, se apega à lendas, crendices e misticismos diversos sem motivos muito lógicos para tanto. Em verdade, lógica houvesse, e nenhuma das situações lendárias se manteria de pé. Esse comportamento não é novidade. Na Idade Média, os gatos ganharam fama de animais amaldiçoados e seus proprietários eram tidos como bruxos. O motivo é tão simples quanto banal: os gatos afugentavam os ratos que transmitiam a peste e seus donos, portanto, morriam menos do mal que os demais que não possuíam gatos. Porém, foi preferível amaldiçoar os gatos e condenar seus donos do que enxergar o óbvio. Mas isso era, repetimos, a Idade Média, quando o conhecimento era artigo de luxo para pouquíssimos. O que dizer, então, das lendas absurdas que ainda surgem em pleno século XXI?
Aqui no Brasil, em janeiro de 1996, surgiu a lenda do ET de Varginha. Catorze anos depois, se concluiu que tudo foi um mal entendido: Um morador da cidade chamado Luiz Antônio, hoje com 46 anos, seria o homem visto no terreno baldio naquela época. Provavelmente sujo por causa da chuva e visto agachado junto a um muro, teria sido confundido com uma criatura do espaço por três meninas. Nem bem o ET mineiro caiu em desgraça, surgiu outro, desta vez em Corguinho, a 90 quilômetros de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A patacoada típica nestas situações está de volta: O ET vêm de lugar distante, representa uma raça muito evoluída, diz que é jovem ainda – só têm 4010 anos -, e fala com voz afetada de desenho infantil. Sua mensagem aos terráqueos? “Apenas busquem o conhecimento”. Tão profundo quanto uma piscina vazia. Mas há os que abraçam a idéia e participem do projeto de construir uma cidade do futuro “atendendo a fórmulas inovadoras que dificultem destelhamento das unidades, caso ocorram acidentes climáticos na região”, conforme o site oficial do projeto, encabeçado, é bom que se diga, por um cidadão que já ficou conhecido por vender lotes de terra para quem queria viver com Ets, no início do ano 2000. E teve gente que comprou, é claro.
Tão difícil quanto explicar por que um extraterrestre de raça tão evoluída, que quer difundir uma mensagem de salvação da humanidade, vai se manifestar numa cidadezinha no meio do nada, ao invés de procurar os grandes centros onde a comunicação de massa se faz mais atuante, é entender os motivos que levam o ser humano a ser tão facilmente enganado. Para o filósofo José Herculano Pires, em seu livro O homem novo, “tanto à descrença absoluta como à crendice beata faltam as luzes do verdadeiro esclarecimento espiritual, da verdadeira ligação do homem com o sentido da vida”. Aqui o foco de Herculano, como se nota, são as crendices diretamente apontadas para a fé, e o motivo é óbvio: as maiores lendas e superstições surgem através do uso dogmático das religiões e das crenças.
Vejamos o caso de Nicolau, Bispo da cidade de Myra, cidade da Ásia Menor, no século 4. Não existem registros históricos sobre a vida dele, mas lenda é o que não falta. A mais tradicional conta que ele distribuía presentes aos pobres. Um século após sua morte, o bispo foi canonizado e virou São Nicolau. Em alguns países europeus a imagem benevolente do bispo de Myra se fundiu com as tradições do Natal e ele virou o presenteador oficial. A França o chamava de Pére Noel (Papai Natal), que originou o nosso Papai Noel. Na Holanda, o santo Nicolau teve o nome abreviado para Sinterklaas, e, quando o povo dos Países Baixos levou essa versão para a colônia holandesa de Nova Amsterdã (hoje mundialmente conhecida como Nova York), no século 17, ele enfim tornou-se o Santa Claus. Em 1862, o desenhista americano Thomas Nast tirou as referências religiosas, adicionou uns quilos a mais no bispo Nicolau, remodelou o figurino em tom vermelho e fixou a moradia do velhinho no Pólo Norte para que ele não tivesse nenhuma nacionalidade. Em 1931, uma poderosa marca de refrigerantes fez de Noel a principal estrela de sua campanha do Natal daquele ano e o sucesso foi tão estrondoso que o gorducho bonachão se tornou a figura mais associada ao Natal. Mais até que o verdadeiro homenageado da data.
Ele mesmo: Mitra, deus persa que representa a luz e, ao longo do século 2, tornou-se uma das divindades mais respeitadas entre os romanos. O dia 25 de dezembro era usado para festejar o solstício de inverno, o Festival do Sol Invicto. A partir do século 4, seguindo sugestão do historiador cristão Sextus Julius Africanus, o festival mudou de homenageado – Agora sim, Jesus. O Mestre dos mestres assumiu a forma da luz que traria a salvação para a humanidade, no lugar do deus-sol.
Entre gatos, bruxas, falsos Ets e profetas simulados; o Natal, Papai Noel e a inventada data de nascimento de Jesus para fazer frente às comemorações oriundas de outra cultura, sem dúvida as três últimas crenças não fazem mal algum. Estão entre as lendas que “antecedem aos fatos”, conforme decretou John Ford. Não obstante, fiquemos atentos ao que diz Herculano Pires para não sermos subjugados pela crendice fanática: “Ajudar o homem a se equilibrar na posição justa do espiritualismo esclarecido, para que o mundo seja melhor e mais belo, é a missão do Espiritismo neste período difícil da evolução terrena”. Segundo Herculano, foi este o motivo de Allan Kardec inscrever, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, “esta legenda de luz: Só é inabalável a fé que pode encarar a razão face a face, em todas as etapas da humanidade”. Para o notório filósofo espírita, é exatamente por isso “que o Espiritismo insiste na necessidade do esclarecimento permanente da razão para os problemas da fé”, pois ambas afugentam “as trevas e o frio da ignorância e da superstição, para nos dar a luz da compreensão e o calor da vida”. Em outras palavras – botam pra correr os Ets falsificados, os chupa-cabras enganosos, os falsos profetas e picaretagens afins...
Ah, sim, claro: BOAS FESTAS!
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