
Lembro-me de que, quando iniciei minha caminhada nos estudos da Doutrina Espírita, um renomado programa de TV anunciou que trataria do Espiritismo, inclusive com a participação de Chico Xavier Eu exultei e corri pra contar para um tio meu, Espírita de longas datas. Ele me olhou com certa piedade e, após um longo suspiro, me disse algo que agora compartilho com vocês: “Com o tempo, você vai perceber que os meios de comunicação não tratam a Doutrina com o respeito que ela merece e, mormente, demonstram ter se aprofundado pouco nas questões que apresentam. Então, sua empolgação será substituída pelo ceticismo”. De fato, os anos passaram, e pude constatar que meu tio estava certo. Há muito que uso o bom-senso crítico na hora de acompanhar qualquer coisa sobre a Doutrina nos meios de comunicação. Foi desta forma que li a matéria da Revista Época, edição 424, Editora Globo, publicada em julho deste ano. O título já inspirava cuidados: “O novo Espiritismo”. Na capa, a modelo Raica Oliveira que, segundo a revista, é a face-símbolo de uma nova fase na religião. E que nova-face seria esta? Li e reli a matéria, estudando atentamente os principais pontos apresentados e, como era de se esperar... Não houve surpresa. Aliás, apenas uma: enfim, um meio de comunicação explica que o termo “kardecista” é considerado uma redundância errônea. Tal expressão foi criada na tentativa de diferenciar o Espiritismo das demais religiões espiritualistas. Mas o termo Espiritismo foi criado com esta mesma intenção, no início dos trabalhos de Kardec. Daí, então, a redundância da expressão. Fora isto, os fatos apresentados por Época mostram que, de fato, pouco se procura aprofundar no Espiritismo quando, curiosamente, ele é o tema a ser estudado. Desde o tempo de Kardec é assim, basta ler “O que é o Espiritismo”, por exemplo. A causa é simples: A Doutrina Espírita dá ibope, mesmo quando mal explorada. Ao afirmar que a Doutrina cresce entre os jovens por ter assumido “uma face moderna”, Martha Mendonça, a autora do artigo, prova o quanto o Espiritismo é um ilustre desconhecido. Esta “face moderna” está no fato de que o “novo” Espiritismo não se baseia “em rituais ou sessões que invocam supostas forças do além” mas se baseia muito mais em “leituras e na introspecção”. Em “O que é o Espiritismo”, cap. I, Kardec avisa que o Espiritismo “repudia, nos limites do que lhe pertence, todo efeito maravilhoso”. Um simples estudo inicial da Doutrina e aprendemos que não existe qualquer tipo de ritual Espírita e que as tais evocações não são feitas à revelia, seguindo, antes, as orientações do capítulo XXV de O Livro dos Médiuns. Aliás, ao tempo de Kardec, as reuniões com este fim eram fechadas ao público e só participavam pessoas pré-selecionadas. Kardec também sempre exalta, em suas obras, o lado filosófico do Espiritismo, lembrando que quem se aproxima da Doutrina apenas pela questão das comunicações entre vivos e mortos, perde o melhor do Espiritismo que é a sua filosofia mesma: “o fenômeno das manifestações é acessório; o fundo é a doutrina, a ciência” (O que é o Espiritismo, cap.I). Corroborando o pensamento de Kardec, a revista afirma que “o crescimento e a exportação da doutrina se devem principalmente a seu lado menos místico e mais racional”. Bastaria uma olhada na famosa frase de Kardec abrindo O Evangelho Segundo o Espiritismo, para se perceber que o racionalismo sempre foi o forte da Doutrina, muito à frente de qualquer tipo de misticismo: “Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente à razão, em todas as épocas da humanidade”. No já citado “O que é o Espiritismo”, também no cap.I Kardec exaltava que o Espiritismo “amplia, igualmente, o domínio da ciência”. Podemos ilustrar esta afirmativa com O Livro dos Espíritos que, em 1857, apresentou assuntos só confirmados pela ciência tempos depois. A questão 22, por exemplo, trata dos diferentes tipos de matéria, que Einstein comprovou em 1905, portanto 48 anos depois através da célebre equação E=mc2. Somente em 1911 o químico Rutherfod conseguiu provar que um átomo era um universo em miniatura, mas na questão 34 os Espíritos já diziam que “as moléculas têm uma forma” que ainda não éramos capazes de apreciar. A questão 44 trata da origem dos seres vivos, que foi desenvolvida 79 anos depois, em 1936, pelo cientista russo Aleksandr Ivannovitch Oparin, na obra intitulada “A Origem da Vida”. Na questão 39 os Espíritos já tratavam da formação dos mundos através da condensação da matéria disseminada no espaço - Elaborada também pelo já citado Einstein, a Teoria do Big Bang data de 1915, 58 anos depois de O Livro dos Espíritos, e acredita que os planetas se formaram pelo mesmo sistema de condensação de matéria interestelar. Tudo isso, e muito mais, escrito há 149 anos atrás, porém muito atual. É exatamente por isso que o Espiritismo cresce no Brasil e no exterior, inclusive nos Estados Unidos. Não por causa do belo rosto de Raica Oliveira, que até pode colaborar com a divulgação do Espiritismo, o que não significa modernizá-lo, posto que o mesmo sempre está sintonizado com seu tempo: no site de relacionamentos Orkut, já existem 366 comunidades sobre “Espiritismo” contra 34 comunidades sobre “catolicismo”. Como afirmou Kardec: “A religião ganhará sempre em seguir o progresso das idéias” (O que é o Espiritismo, cap.I). Graças a afirmativas como esta, o Espiritismo vai além de seus próprios seguidores, cresce entre os mais escolarizados e pode ser visto como novo, aos 149 anos de vida.
Um comentário:
Artigo super válido nos dias de hoje.
Acredito que exista muita confusão entre a instituição e os ideais religiosos e as pessoas que os seguem. E isso acaba deturpando a imagem que esta Religião terá perante todos (fiéis ou não).
No caso de uma pessoa famosa, isso se agrava, pois a mídia está sempre atenta, e acaba influenciando um grupo ainda maior de pessoas.
É importante ressaltar que, independente da imagem que os outros tenham, os que realmente acreditam em um ideal com bases fortes devem manter-se lúcidos e defender as puras bases doutrinárias, a não ser que estejam dispostos a criar ideologias (que então criem um novo nome para ela, não é mesmo?)
Abraço.
Postar um comentário